Lei do Ventre Livre -
1871
Lei de 28 de Setembro
de 1871
O projeto da Lei do
Ventre Livre foi proposto pelo gabinete conservador presidido pelo visconde do
Rio Branco em 27 de maio de 1871. Por vários meses, os deputados dos partidos
Conservador e Liberal discutiram a proposta. Em 28 de setembro de 1871 a lei nº
2040 após ter sido aprovada pela Câmara, foi também aprovada pelo Senado.
Embora tenha sido objeto de grandes controvérsias no Parlamento, a lei
representou, na prática, um passo tímido na direção do fim da escravatura.
"Declara de
condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei,
libertos os escravos da Nação e outros e providencia sobre a criação e
tratamento daqueles filhos menores e, sobre a libertação anual de escravos.
A princesa imperial
regente, em nome de Sua Majestade o imperador o senhor d. Pedro II, faz saber a
todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a
lei seguinte:
Art. 1º: Os filhos da
mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão
considerados de condição livre.
§1. Os ditos filhos
menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais
terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos.
Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de
receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do
menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o
menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização
pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%,
os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor
deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar
à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo
arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.
§2. Qualquer desses
menores poderá remir-se do ônus de servir, mediante prévia indenização
pecuniária, que por si ou por outrem ofereça ao senhor de sua mãe,
procedendo-se à avaliação dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher,
se não houver acordo sobre o quantum da mesma indenização.
§3. Cabe também aos
senhores criar e tratar os filhos que as filhas de suas escravas possam ter
quando aquelas estiverem prestando serviço. Tal obrigação, porém, cessará logo
que findar a prestação dos serviços das mães. Se estas falecerem dentro daquele
prazo, seus filhos poderão ser postos à disposição do governo.
§4. Se a mulher
escrava obtiver liberdade, os filhos menores de oito anos que estejam em poder
do senhor dela, por virtude do §1o, lhe serão entregues, exceto se preferir
deixá-los e o senhor anuir a ficar com eles.
§5. No caso de
alienação da mulher escrava, seus filhos livres, menores de doze anos, a
acompanharão, ficando o novo senhor da mesma escrava sub-rogado nos direitos e
obrigações do antecessor.
§6. Cessa a prestação
dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no §1o, se, por
sentença do juízo criminal, reconhecer-se que os senhores das mães os
maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.
§7. O direito
conferido aos senhores no §1o transfere-se nos casos de sucessão necessária,
devendo o filho da escrava prestar serviços à pessoa a quem nas partilhas
pertencer a mesma escrava.
Art. 2º: O governo
poderá entregar a associações por ele autorizadas os filhos das escravas,
nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos
senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do Art. 1o, §6o.
§1. As ditas
associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21
anos completos e poderão alugar esses serviços, mas serão obrigadas:
1: A criar e tratar
os mesmos menores.
2 A constituir para
cada um deles um pecúlio, consistente na quota que para este fim for reservada
nos respectivos estatutos.
3 A procurar-lhes,
findo o tempo de serviço, apropriada colocação.
§2. As associações de
que trata o parágrafo antecedente serão sujeitas à inspeção dos Juízes de
Órfãos, quanto aos menores.
§3. A disposição
deste artigo é aplicável às casas de expostos e às pessoas a quem os Juízes de
Órfãos encarregarem a educação dos ditos menores, na falta de associações ou
estabelecimentos criados para tal fim.
§4. Fica salvo ao
governo o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos
públicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o §1o
impõe às associações autorizadas.
Art. 3º. Serão
anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos
corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a
emancipação.
§1. O fundo da
emancipação compõe-se:
1: Da taxa de
escravos.
2: Dos impostos
gerais sobre transmissão de propriedade dos escravos.
3: Do produto de seis
loterias anuais, isentas de impostos, e da décima parte das que forem
concedidas d’ora em diante para correrem na capital do Império.
4: Das multas
impostas em virtude desta lei.
5: Das quotas que
sejam marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais.
6: De subscrições,
doações e legados com esse destino.
§2. As quotas
marcadas nos orçamentos provinciais e municipais, assim como as subscrições,
doações e legados com destino local, serão aplicadas à emancipação nas
províncias, comarcas, municípios e freguesias designadas.
Art. 4º. É permitido
ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e
heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e
economias. O governo providenciará nos regulamentos sobre a colocação e
segurança do mesmo pecúlio.
§1. Por morte do
escravo, metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver,
e a outra metade se transmitirá aos seus herdeiros, na forma de lei civil. Na
falta de herdeiros, o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação de que
trata o art. 3º.
§2. O escravo que,
por meio de seu pecúlio, obtiver meios para indenização de seu valor, tem
direito à alforria. Se a indenização não for fixada por acordo, o será por
arbitramento. Nas vendas judiciais ou nos inventários o preço da alforria será
o da avaliação.
§3. É, outrossim,
permitido ao escravo, em favor da sua liberdade, contratar com terceiro a
prestação de futuros serviços por tempo que não exceda de sete anos, mediante o
consentimento do senhor e aprovação do juiz de órfãos.
§4. O escravo que
pertencer a condôminos, e for libertado por um destes, terá direito à sua
alforria, indenizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer.
Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de
sete anos, em conformidade do parágrafo antecedente.
§5. A alforria com a
cláusula de serviços durante certo tempo não ficará anulada pela falta de
implemento da mesma cláusula, mas o liberto será compelido a cumpri-la por meio
de trabalho nos estabelecimentos públicos ou por contratos de serviços a
particulares.
§6. As alforrias,
quer gratuitas, quer a título oneroso, serão isentas de quaisquer direitos,
emolumentos ou despesas.
§7. Em qualquer caso
de alienação ou transmissão de escravos é proibido, sob pena de nulidade,
separar os cônjuges, e os filhos menores de doze anos, do pai ou mãe.
§8. Se a divisão de
bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum
deles preferir conservá-la sob o seu domínio, mediante reposição da quinta
parte dos outros interessados, será a mesma família vendida e o seu produto
rateado.
§9. Fica derrogada a
ord. liv. 4º, tít. 63, na parte que revoga as alforrias por ingratidão.
Art. 5º. Serão
sujeitas à inspeção dos Juízes de Órfãos as sociedades de emancipação já
organizadas e que de futuro se organizarem.
Parágrafo único: As
ditas sociedades terão privilégio sobre os serviços dos escravos que
libertarem, para indenização do preço da compra.
Art. 6º. Serão
declarados libertos:
§1. Os escravos
pertencentes à Nação, dando-lhes o governo a ocupação que julgar conveniente.
§2. Os escravos dados
em usufruto à Coroa.
§3. Os escravos das
heranças vagas.
§4. Os escravos
abandonados por seus senhores. Se estes os abandonarem por inválidos, serão
obrigados a alimentá-los, salvo caso de penúria, sendo os alimentos taxados
pelo juiz de órfãos.
§5. Em geral os
escravos libertados em virtude desta lei ficam durante cinco anos sob a inspeção
do governo. Eles são obrigados a contratar seus serviços sob pena de serem
constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos.
Cessará, porém, o constrangimento do trabalho sempre que o liberto exibir
contrato de serviço.
Art. 7º. Nas causas
em favor da liberdade:
§1. O processo será
sumário.
§2. Haverá apelações
ex-ofício quando as decisões forem contrárias à liberdade.
Art. 8º. O governo
mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes no
Império, com declaração de nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e
filiação de cada um, se for conhecida.
§1. O prazo em que
deve começar e encerrar-se a matrícula será convencionado com a maior
antecedência possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserida a
disposição do parágrafo seguinte.
§2. Os escravos que,
por culpa ou omissão dos interessados, não forem dados a matrícula, até um ano
depois do encerramento desta, serão por este fato considerados libertos.
§3. Pela matrícula de
cada escravo pagará o senhor por uma vez somente o emolumento de quinhentos
réis, se o fizer dentro do prazo marcado, e de mil réis, se exceder o dito
prazo. O provento deste emolumento será destinado a despesas da matrícula, e o
excedente ao fundo de emergência.
§4. Serão também
matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava que por esta lei
ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligência, na multa de cem
mil réis a duzentos mil réis, repetidas tantas vezes quantos forem os
indivíduos omitidos e, por fraude, nas penas do artigo 179 do Código Criminal.
§5. Os párocos serão
obrigados a ter livros especiais para o registro dos nascimentos e óbitos dos
filhos de escravas nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os
párocos a multa de cem mil réis.
Art. 9º. O governo em
seus regulamentos poderá impor multas até cem mil réis e penas de prisão
simples até um mês.
Art. 10. Ficam
revogadas as disposições em contrário. Manda portanto a todas as autoridades, a
quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam
cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O secretário de Estado
dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a façam imprimir,
publicar e correr.
Dada no Palácio do
Rio de Janeiro, aos vinte e oito de setembro de mil oitocentos setenta e um,
qüinquagésimo da Independência e do Império.
Princesa Imperial
Regente.
Theodoro Machado
Freire Pereira da Silva.
Carta de lei pela
qual Vossa Alteza Imperial manda executar o decreto da Assembléia Geral, que
houve por bem sancionar, declarando de condição livre os filhos de mulher
escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e
outros, e providenciando sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e
sobre a libertação anual de escravos, como nela se declara.
Para Vossa Alteza
Imperial ver.
O Conselheiro José
Agostinho Moreira Guimarães a fez.
Chancelaria-mor do
Império.
Francisco de Paula de
Negreiros Sayão Lobato.
Transitou em 28 de
setembro de 1871.
André Augusto de Pádua
Fleury.
Publicada na
Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em
28 de setembro de 1871.
José Agostinho Moreira
Guimarães.
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